VOZES
São elas.
Elas que sempre me dizem o que fazer.
Eu nunca tenho escolha; na verdade, prefiro pensar que sou especial. Ninguém conseguiria
fazer o que faço.
Já tentaram cortar os membros de uma pessoa?
Aposto que não.
Não é fácil como nos filmes; não, não é. É difícil e às vezes as facas que uso quebram no
meio do processo.
Mas eu aprendo rápido; por isso, elas me escolheram.
Sim, sim, foi por isso.
Elas me contam tudo, quem punir, como punir, o que fazer quando eles resistem...
Veja bem, eu não sou uma assassina; sou uma salvadora.
Aqueles que as vozes mandam punir são culpados!
Claro que são.
A velha era uma mentirosa! Por isso, cortei a língua dela. Sim, ela mereceu! Mereceu sentir
cada pedaço da sua língua sendo levada enquanto ela se engasgava com o próprio sangue.
Limpar aquilo tudo foi uma merda.
O cara também era culpado, sempre olhando para os outros com aqueles olhos que só
sabiam julgar e julgar.
Então eu os tirei dele.
Ainda fui muito boazinha; na verdade, as vozes foram, elas nem mandaram eu o matar.
Foi por isso que eu o deixei lá, no meio do nada.
Será que ele vai conseguir voltar para casa? Quem sabe.
Mas esse de hoje é especial.
Ele tem que sofrer mais do que todos.
Os outros foram apenas um treinamento, uma espécie de prova, para ver se eu era capaz de
fazer o que tinha de ser feito.
Sim, eu sou!
Ele me colocou lá! Disse que eu ia melhorar, que elas não iriam mais falar comigo, disse que
era para o meu próprio bem.
Esse foi o pecado dele! Me achar tola, dizer que as vozes só queriam o meu mal.
Cretino invejoso! Ele quer as vozes só para ele, quer ser especial como eu sou.
Mas ninguém nunca será especial como eu.
Hoje elas me deixaram escolher; só me disseram que teria que ser doloroso, o pecado dele é
o pior, então a punição deve ser a mais dolorosa.
Como se eu não soubesse, sorrio; às vezes, elas me acham uma tolinha, a mesma que elas
mandavam enterrar aqueles bichinhos no jardim.
Olho para casa e o vejo sorrir para a TV como se nada tivesse acontecido, como se ele não
tivesse feito nada!
Pecador! Sim, isso que ele é, isso que ele sempre foi, a punição dele acontece hoje!
Me aproximo da casa lentamente; ele sempre guarda uma chave reserva debaixo do
primeiro vaso de planta perto da porta.
Que ingênuo!
Ele me vê, eu o observo.
Como ele envelheceu durante o tempo em que estive fora.
Com os olhos arregalados, ele não os tira do machado em minhas mãos.
"Olá, papai", digo com o melhor dos meus sorrisos. "Eu voltei."
Ele corre.
Começo a rir.
Ah, como eu adoro quando eles correm.
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