LEMBRANÇAS



 


  1. LEMBRANÇAS  

 

Uma das primeiras lembranças que eu tenho é de quando ainda morávamos em um antigo bar em uma cidadezinha bem do interior. 

Era uma cidade bem pequena, com poucos habitantes e com um supermercado que era também uma farmácia e um cabelereiro, rodeada por montanhas nem ônibus ia para lá e até hoje temos que andar quase uma hora para chegar.  

Naquela época eu ainda não entendia por que eu, meu irmão e minha mãe morávamos ali ou porque ainda dormíamos na mesma cama, do porquê não tínhamos uma tv. 

A única coisa que eu sabia é que para mim aquele lugar era o máximo, minha mãe sabia como transformar as pequenas coisas em uma grande aventura.  

No Natal ela preparava a casa para receber o papai Noel em grande estilo, passava dias fazendo os enfeites para nossa grande arvore, preparava biscoitos para que nós pudéssemos deixar para o bom velhinho, em minhas lembranças eu tentava dormir, mas a empolgação era tanta que eu passava horas acordada tentando esperar a chegada dele e sempre acabava dormindo na frente da arvore de Natal iluminada. 

Na pascoa ela pintava pequenas pegadas de coelhos pelo chão que levavam aos ovos de chocolate que ela mesma preparava e escondia pela casa. Eu e meu irmão acordávamos bem cedo para seguir as pegadas e encontrar todos os chocolates que estavam escondidos pela casa.  

Eu amava aquele lugar.  

Corria entre as arvores com os pés descalços, me escondia dos adultos depois de roubar flores de seus jardins e ria ouvindo seus gritos de indignação, pegava carona em trens de carga que passavam por lá, tomava banho de rio, sentia a casinha de madeira do meu bisavô tremer com a passagem do trem da meia noite quando dormíamos lá.  

Naquela época me sentia livre. 

Amava os domingos de manhã em que minha mãe se sentava comigo na cama e fazia as roupinhas das minhas barbies, elas tinham casaquinhos de pele, tocas, luvas e vestidos, que para mim, eram da última moda. Ela os costurava com os retalhos que ela conseguia com as mulheres que trabalhavam costurando por lá.  

Minha mãe não conversava muito comigo nessas ocasiões, na verdade, ela nunca foi de fazer longas conversas, mas eu não me importava, gostava de observá-la costurando, se concentrando em cortar e montar modelos que ficariam bons em minhas bonecas. Sempre gostei daquele silencio confortável que tínhamos naquelas ocasiões.  

Se fecho bem meus olhos consigo me ver , sentada com ela, rodeada por tecidos coloridos com ela tentando ver o que combinava e o que não combinava, nessas ocasiões eu a observava se divertir costurando e montando aqueles looks.  

Se me concentro bem consigo deixar essas lembranças intactas, escolhendo lembrar dos natais felizes, dos cafés da manhã com bolos de cenoura e chocolate, das risadas. 

Hoje, quando me lembro daqueles anos, ignoro todas as vezes em que ouvi seu choro desesperado no banheiro de madrugada, eram tão altos que as vezes eu pensava que ela quisesse que ouvíssemos ela chorar.  

Ignoro o olhar estranho que ela as vezes tinha para mim e meu irmão, do medo que sentia ao ver quando ela nos observava dormir a noite.  

Tento desesperadamente não pensar em todas as vezes que a vi sentada nos trilhos do trem, esperando até o último momento, quando o trem estava bem perto dela, para sair de lá.  

Deixo bem lá no fundo da minha mente o que sentia naquelas ocasiões, focando nos momentos felizes, nas vezes em que ela estava feliz e animada. 

Consigo esquecer como eu me sentia todas as vezes as vezes em que eu percebia que ela queria estar em qualquer outro lugar menos ali com a gente. Me concentrando bem consigo deixar as poucas lembranças que eu tenho da minha infância pura e feliz, deixando de lado as vezes em que meu eu criança se sentia indesejada.  

 

 

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